02 julho 2007

Trazias tanto mar na pele dos dedos

Trazias tanto mar na pele dos dedos
onde o teu corpo é sempre o meu princípio
de nunca querer chegar
ao fim a voz da vaga
quantas vezes te disse e te cantei?

Quantas vezes sal de pôr na boca
Quantas vezes concha seios de maré
búzio de carne
um leito de água no teu ventre
de marulhado espasmo musical?

E quando a água aquecia nossa fúria
quantas vezes sentimos que o mar não era tudo
e os olhos queriam mais no meio dos ruídos casuarinos
um ximbicar nas coisas sem limite.

Mas põe o nosso corpo nestas dunas
de sol pleno e todo destapado
alimentando o lago da miragem
que se descobre na esquina onde só era
o nu da luz na escassez de arbustos
de um pouco-a-pouco deste ar sopro quente
que a nossa boca expira para a boca
e os nossos olhos prolongam para sul.

Aqui pressinto o que faltava quase
ao nosso mar
para que fosse a imensidão
mais simples mais essencial.
Ouve-me então nesta coragem de planta
amor eu penso a minha curva de Welwitchia
erecta em solidão da tua ausência
depois que trouxeste tanto mar na pele dos dedos.


Poema do angolano Manuel Rui, do livro Cinco Vezes Onze Poemas em Novembro, publicado em Luanda em 1985.

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